País de tradições milenares, dono de uma cultura que desperta fascínio e admiração
mundo afora – vide o fato de ser a nação com a população mais velha do mundo, além de
possuir uma expectativa de vida média de 84,8 anos. É o 4º maior PIB nominal mundial
(USD 4,07 trilhões em 2024), com renda per capita que atingiu, em 2024, US$ 36.990,33
(R$ 211.889,86 – conversão feita em 23/03/2025)!
Impressionante, certo? Porém, há um lado complexo dessa realidade. O Japão também é
reconhecido como uma das nações com as pessoas mais dedicadas ao trabalho no
mundo, onde quase 10% da população trabalha mais de 60 horas semanais (porém, dados
extraoficiais indicam que esse número pode ser muito maior que o divulgado oficialmente).
Mas afinal, o que torna o Japão tão singular em sua cultura de trabalho? Termos
como Karoshi, Shukatsu, Kodawari, Bushido, Ganbaru, Keiretsu e Ruikatsu são comuns
no cotidiano profissional japonês, mas o que realmente significam? Quais seus benefícios,
malefícios e consequências, dentro e fora das empresas?
E mais: como funciona a busca por um emprego para um(a) jovem recém-saído(a) da
universidade? Quais as expectativas familiares sobre ele(a)? Como funciona o rigoroso
processo seletivo das empresas japonesas? Além disso, abordarei quais são os principais
passos para que estrangeiros conquistem um emprego no Nippon (nome japonês para o
país).
Ao longo de três artigos, detalharei tudo o que você precisa saber para se tornar um expert
na cultura profissional dessa nação fascinante. Você descobrirá desde os desafios
enfrentados pelos jovens recém-formados até os passos essenciais para estrangeiros
conseguirem emprego no Japão.
Explorarei termos-chave e compartilharei vídeos, livros, podcasts, fotos e informações
detalhadas sobre essa atmosfera profissional tão complexa.
Pronto para mergulhar fundo nessa cultura de trabalho intrigante? Então vamos lá! Filosofias & Conceitos que moldam o trabalho no Japão
Ganbaru – 頑張る
頑 (gan) – teimoso, resistente, obstinado
張 (baru) – esticar, tensionar, manter firme
Ganbaru significa esforçar-se ao máximo, dar o seu melhor.
O uso popularizado e consolidado do Ganbaru se desenvolveu principalmente após o
período Edo (1603-1868), tendo sido fortemente difundido durante a Era Meiji (1868-1912) e
especialmente pós-guerra (após 1945).
Esse conceito está profundamente enraizado na cultura profissional japonesa moderna,
desde o estagiário até o presidente da empresa. No país, os trabalhadores são treinados
desde o início da carreira para dar o máximo de si.
O objetivo dos colaboradores japoneses vai além da geração de lucro: envolve cumprir seu
papel com excelência, honrando compromissos assumidos com a empresa e a sociedade.
A mentalidade do “ganbaru” gera níveis admiráveis de dedicação, qualidade e eficiência,
reconhecidos mundialmente.
No entanto, o ganbaru pode levar os trabalhadores muitas vezes até o limite físico e
psicológico, em alguns casos trabalhando até a exaustão. Esse é um dos grandes
problemas enfrentados pelo Japão, já que os casos de karoshi (morte por exaustão) são
cada vez mais frequentes. No próximo artigo, falarei mais sobre esse fenômeno chocante.
Na cultura japonesa também é malvisto sair ‘cedo’ do trabalho, ou seja, logo após o término
oficial do expediente. É comum os colaboradores permanecerem até tarde e fazerem horas
extras não remuneradas para evitar serem percebidos como menos comprometidos ou
‘preguiçosos’ pelos colegas e superiores. Logo, é reforçado o princípio de “esforçar-se ao
máximo”
O vídeo a seguir traz uma visão peculiar sobre o assunto. A autora exemplifica o que
é Ganbaru e também expõe a importância de transformar a perspectiva dos japoneses
de work hard (trabalhar duro) em work smart (trabalhar de maneira inteligente).
https://www.youtube.com/watch?v=-YYerITVw1E&t=278s
Bushidō – 武士道
武 (bu) – guerra, militar, artes marciais
士 (shi) – guerreiro, samurai
道 (dō) – caminho, via, doutrina
Bushidō quer dizer o caminho do guerreiro.
Tem suas raízes na cultura samurai japonesa durante a era feudal (entre os séculos XII e
XIX), especialmente no período Kamakura (1185–1333).
Essa filosofia representa o código de ética e conduta dos samurais no Japão feudal. Os
princípios do Bushidō são: lealdade; coragem; disciplina; auto-sacrifício; justiça; modos
refinados; humildade; espírito marcial; e honra.
Ele não é apenas um conjunto de regras militares, mas sim uma filosofia de vida que
valoriza a coragem, o respeito, a autodisciplina e todos os outros princípios citados no
parágrafo acima.
Na atualidade, o Bushidō influenciou profundamente a cultura japonesa moderna,
especialmente a forma como os japoneses encaram o trabalho, valorizando o esforço, a
autodisciplina e o comprometimento absoluto com as tarefas e com o coletivo.
Assim, essa filosofia transcendeu seu propósito original, tornando-se um poderoso código
ético que guia o comportamento dos japoneses não só no trabalho, mas em todos os
aspectos da vida cotidiana.
Recomendo a leitura do livro “O Caminho do Samurai” se quiser se aprofundar mais no
assunto.
Kodawari – 拘り拘 (ko) – fixar-se, agarrar-se a algo, estar preso a um detalhe
り (wari) – Aqui, o “り” é hiragana (um dos três sistemas de escrita do idioma japonês), e
funciona como parte gramatical da palavra. É a forma que completa o significado do verbo
nominalizado 拘る (kodawaru) → que vira o substantivo 拘り (kodawari)
Kodawari representa a busca pela excelência silenciosa.
Esse conceito se popularizou como uma filosofia cultural mais específica ligada ao
perfeccionismo artesanal japonês durante a Era Edo (1603-1868).
É muito valorizado na cultura japonesa, e quer dizer algo como comprometimento pessoal
com a excelência e o detalhe, mesmo que ninguém perceba.
Corresponde à ideia de ter paixão, orgulho e obsessão positiva por fazer algo com
excelência, intenção, precisão e cuidado. Porém, não é algo feito assim para impressionar
os outros, mas sim por respeito à própria integridade e ao que está sendo feito.
Algumas características do Kodawari são:
Atenção aos detalhes minuciosos;
Padrões altíssimos de qualidade;
Perfeccionismo positivo (mas sem vaidade);
Constância e refinamento;
Senso de responsabilidade individual;
Autenticidade e originalidade.
Resumindo: o Kodawari não é só sobre técnica, mas uma atitude interna. Não é sobre
“agradar o cliente ou o chefe”, é sobre fazer com coração, como se aquilo fosse uma
extensão de quem você é.
O podcast abaixo ilustra muito bem o que é o Kodawari na cultura moderna.
https://www.youtube.com/watch?v=OmZKEmbHjCc
Espero que tenha gostado desta introdução à fascinante cultura de trabalho do Japão.
Como você viu, a filosofia Bushidō e os conceitos Ganbaru, e Kodawari são muito mais
do que simples palavras: elas moldam diariamente a vida profissional e pessoal dos
japoneses, impulsionando-os a alcançar níveis de excelência, dedicação e compromisso
admirados mundialmente. Porém, como tudo que é levado ao extremo, essas tradições
também trazem consequências delicadas, que serão exploradas nas próximas edições.
Na segunda edição, vamos explorar ainda mais fundo essa realidade profissional japonesa,
analisando como funcionam as empresas, desde as tradicionais Keiretsu até as
controversas “Black Companies”, passando também pelo curioso fenômeno
do Ruikatsu. E, claro, falarei sobre o chocante Karoshi, a consequência mais dramática e
conhecida dessa cultura empresarial extrema.
Artigo escrito por Magu Tozzelo: jornalista, escritora, consultora editorial e especialista em comunicação estratégica. Embaixadora do Clube BoraFazer, é entusiasta da sustentabilidade e apaixonada por explorar diferentes culturas. É autora do blog “Profissão: Mundo”, onde compartilha reflexões sobre as culturas de trabalho ao redor do mundo.